O cinema argentino já nos deu grandes pérolas da tela grande, como A História Oficial, Lugares Comuns, Nove Rainhas e o vencedor do Oscar 2010, O Segredo dos Seus Olhos, só para citar alguns. Porém, certos filmes argentinos, aparentemente modestos, que aparecem de mansinho em algumas salas de cinema, podem nos surpreender.

O caso mais recente é o filme Dois Irmãos, do argentino Daniel Burman (O Abraço Partido, As Leis de Família, Ninho Vazio, Esperando o Messias), uma história dramática – mas bem humorada –  baseada no romance Villa Laura, de Diego Dubcovsky, com adaptação do diretor e do autor. E Burman constrói em seus dois personagens uma aura de ressentimento e melancolia que, quando encarados de frente, podem nos pegar de surpresa pelo humor.


Susana (Graciela Borges) e Marcos (Antonio Gasalla) são dois irmãos de meia-idade. Completamente diferentes, enquanto Susana se dedica á sua carreira no ramo imobiliário, Marcos cuida da mãe doente. Paciente, educado e dedicado, Marcos é o oposto da irmã, uma perua egoísta e insensível que não se preocupa com ninguém, além de si mesma.

Solitários, os dois decidem morar juntos após a morte da mãe e é aí que a coisa se complica. Com temperamentos completamente diferentes, Marcos e Susana terão, no dia a dia, uma rotina de brigas, desentendimentos e ressentimentos do passado. E assim, temos o lado melancólico de dois irmãos que não se dão bem – e só podem contar um com o outro – porém com um humor inteligente e mordaz, e muitas vezes sutil, do cinema argentino.


Marcos, que decide seguir com a vida após anos de dedicação á mãe senil, se matricula em aulas de teatro, anda de moto, faz amigos, sempre com seu jeito delicado, bem-humorado e espirituoso. Susana, por sua vez, se tranca em sua solidão, evitando a família (e causando fortes desentendimentos quando os encontra) e se tornou uma pessoa amarga que, sem perspectivas de futuro, decide se intrometer na vida alheia, roubando as correspondências dos vizinhos e ouvindo as conversas pelas paredes do apartamento.

Susana, desprendida de seu passado e infeliz com seu presente, usa o irmão para o que lhe convém, para lidar com as próprias frustrações. E nesse caldeirões de sentimentos, os dois tentarão, a todo o custo, fazer dar certo essa relação que é, por assim dizer, o que lhes resta de amor.

Com um timing e uma condução de atores precisa, Burman consegue, de sua dupla central, atuações fantásticas, que são o âmago do filme. É possível acreditar em Marcos e Susana, se envolver, talvez até se reconhecer (será que eu e minha irmã ou meu irmão seremos assim quando a velhice estiver chegando?). E é possível, tanto que o epílogo, verossímil e coerente, é não-conclusivo, justamente para dar ainda mais veracidade à relação de Susana e Marcos.